domingo, 24 de fevereiro de 2008

Em busca do carro do futuro

A indústria automobilística aperta os cintos de segurança e se prepara para a maior transformação de sua história. Pressionadas pela dependência do petróleo, pela ameaça da mudança climática e pelos novos hábitos dos consumidores, as montadoras e uma nova geração de empreendedores abrem uma era de inovações tecnológicas que podem transformar o motor de combustão numa peça de museu. Até mesmo o carro elétrico, dado como morto há um século, está de volta. A largada foi dada ao meio-dia de 11 de junho de 1895, em Paris. Após dois dias de viagem pelo interior da França, os carros voltaram à capital e cruzaram a linha de chegada -- mas essa corrida, de certa forma, ainda não terminou. A disputa se deu entre carros movidos a gasolina, vapor e eletricidade. O petróleo reinou supremo: os oito carros que completaram o percurso tinham gasolina no tanque. Os dois modelos a bateria ficaram pelo caminho. Um deles teve problemas no motor; o outro disparou a quase 100 quilômetros por hora, mas ficou sem carga em menos de 1 hora. Naquele tempo, os primórdios do transporte motorizado, os elétricos dominavam as ruas das cidades americanas e européias: eram silenciosos, limpos e fáceis de operar. Já os modelos equipados com o motor de combustão interna inventado por Karl Benz faziam barulho, despejavam nas ruas uma desagradável fumaça negra e exigiam que o motorista "se sentasse sobre uma explosão", nas palavras do maior fabricante de carros elétricos da época, o americano Albert Pope. Mas o fracasso na corrida francesa foi o prenúncio das queixas que viriam selar o destino dos carros a bateria. As estradas estavam se multiplicando e, com elas, o prazer das longas viagens ao volante. Os carros a gasolina tinham mais autonomia e eram mais resistentes. A fumaça era um inconveniente aceitável, afinal de contas no início do século passado a poluição do automóvel ainda não tinha entrado para o vocabulário urbano. Quando Henry Ford passou a produzir seu Modelo T em uma linha de montagem, em 1908, de uma só vez massificou os carros, inaugurou a indústria automobilística e desferiu um golpe mortal nos carros elétricos. Mas existe um problema chamado gasolina. Queimar petróleo perde glamour com uma velocidade assustadora. A indústria automobilística, gigante que movimenta 2,5 trilhões de dólares e emprega 50 milhões de pessoas em todo o mundo, hoje dá os primeiros passos na maior transformação de sua história. "As montadoras e a indústria petrolífera viveram o século 20 em simbiose, ligadas pelo motor de combustão interna", diz Vijay Vaitheeswaran, autor de "Zoom -- a corrida global para abastecer o carro do futuro" (numa tradução livre, ainda sem previsão de lançamento no Brasil). "Mas uma série de pressões simultâneas vai provocar mudanças profundas nessa relação. As montadoras não ganham dinheiro vendendo gasolina. Elas vendem mobilidade." Nunca se viu um esforço tão grande para abandonar, ou pelo menos manter sob controle, o vício do petróleo. O motor elétrico, depois de décadas relegado a campos de golfe e saguões de aeroportos, voltou. E ele não vem sozinho. Está acompanhado por novas baterias, células de combustível, motores flex, biodiesel e etanol, numa onda de inovação que pode ter impacto comparável ao lançamento do Modelo T. O zumbido sutil dos carros do futuro começa a competir com o ronco dos motores a gasolina. Existem quase 900 milhões de veículos em circulação, e indianos e chineses mal começaram a sentir o prazer de dirigir. De olho nas pressões ambientais e em um novo tipo de consumidor, mais preocupado com sua contribuição para o aquecimento global, a palavra de ordem na indústria é uma só: mudança.

Adeus à gasolina?
Preocupações com o aquecimento global e com o aumento constante no preço do petróleo têm forçado as montadoras a buscar novas alternativas de combustível para os carros. Conheça as tecnologias mais promissoras
ELÉTRICO
Como funciona: o carro tem um motor elétrico movido a baterias, que podem ser carregadas na rede elétrica convencional. Alguns modelos usam baterias de íon-lítio, semelhantes às usadas em laptops
Vantagens: pode ser abastecido em praticamente qualquer lugar, basta haver energia elétrica disponível; o carro não emite gás carbônico
Desvantagens: o tempo de abastecimento das baterias é longo; a autonomia do carro é pequena
HÍBRIDO
Como funciona: o carro tem dois motores. Um é convencional, de combustão interna, abastecido com gasolina, e o outro é elétrico, alimentado por baterias. É o motor elétrico que fica em contato com as rodas de tração. O motor a combustão só é acionado em situações em que o carro exige mais esforço ou quando as baterias descarregam. Há dois tipos de híbridos, um cujas baterias são alimentadas pela rede elétrica, chamado de plug-in, e outro em que as baterias são recarregadas quando o motor a combustão é acionado
Vantagens: os híbridos têm uma autonomia superior à dos carros elétricos; podem ser abastecidos com facilidade
Desvantagens: os híbridos que não são plug-in podem gastar tanta gasolina quanto um carro convencional; portanto, ele não é um automóvel totalmente limpo
CÉLULA DE COMBUSTÍVEL(hidrogênio)
Como funciona: o carro é movido por um motor elétrico alimentado com energia produzida numa célula de combustível. Essa célula é abastecida com hidrogênio em estado gasoso e, nela, há uma reação química que produz energia elétrica e libera água
Vantagens: não há emissão de dióxido de carbono, apenas de água; o carro pode ser abastecido rapidamente; tem autonomia maior que a dos carros elétricos
Desvantagens: ainda não há hidrogênio disponível nos postos; a célula de combustível ainda é muito cara
DIESEL OU ÁLCOOL
Como funciona: os carros têm os convencionais motores a combustão interna
Vantagens: os veículos são facilmente abastecidos e conseguem um desempenho semelhante ao dos carros a gasolina, mas poluem menos.Os carros a diesel ganharam novos motores, menos poluentes e mais eficientes. O combustível também foi alterado para ter menor teor de enxofre.Os carros a álcool têm a vantagem de rodar com um combustível limpo, que emite pequena quantidade de dióxido de carbono
Desvantagens: os carros a álcool rendem menos e os veículos a diesel perdem eficiência em baixa velocidade.
A busca pelos combustíveis e carros do futuro também deu origem a uma corrida paralela: a de novas empresas dispostas a se apoderar de uma parte, ainda que pequena, do futuro mercado de transportes verdes. "As empresas de automóveis, que durante muito tempo foram extremamente verticalizadas, agora estão terceirizando boa parte do desenvolvimento", diz Vijay Vaitheeswaran. "As barreiras de entrada estão caindo." É claro que não se espera o surgimento de uma nova Ford a partir de uma garagem do Vale do Silício -- mas isso não impede os empreendedores de tentar. Por trás dos esforços há alguns nomes lendários da indústria de tecnologia. Um deles é John Doerr. "Você conhece a seguinte frase de Margaret Mead (antropóloga americana): 'Nunca subestime a habilidade de um pequeno grupo de pessoas. Elas podem mudar o mundo'?", disse Doerr. "Essa é a única certeza. Nunca subestime a habilidade de empreendedores de transformar ou criar uma nova indústria.". Poderia ser uma platitude se não tivesse sido dita por um dos mais bem-sucedidos investidores de risco do mundo, responsável pelos aportes iniciais em empresas como Amazon, Google e Sun Microsystems. O fundo de que Doerr é sócio, o Kleiner Perkins Caufield & Byers, anunciou em meados de janeiro um aporte, estimado em 10 milhões de dólares, na Fisker Automotive. Sediada na Califórnia e fundada pelo designer dinamarquês Henrik Fisker, que tem no currículo passagens pela BMW e pela Aston Martin, a empresa promete produzir a partir do final de 2009 um híbrido esportivo de luxo, o Karma.
É claro que o ambiente político, o clima e a tecnologia de hoje são outros, mais favoráveis. Mas o carro verde terá outros "inimigos": os indianos e os chineses que querem seu primeiro automóvel. Para servir os grandes mercados deste século, a indústria terá de enfrentar novos e poderosos competidores, como a Tata Motors, e provavelmente andar na contramão da estrada verde que se abre no Ocidente. Como se não bastasse o desafio de criar o carro do futuro, as montadoras terão de se virar para criar um novo carro do presente.
As apostas das grandes
As maiores montadoras do mundo atravessam um momento decisivo: além de conquistar novos mercados, têm de lidar com a pressão do mercado por carros verdes. Veja a situação das seis maiores
GENERAL MOTORS
Faturamento 207,3 bilhões de dólares
Vendas 9,3 milhões de veículos
Resultados 1,9 bilhão de dólares de prejuízo
Apostas A GM vai começar a produzir até 2010 o híbrido plug-in Chevrolet Volt. Em janeiro, a empresa anunciou uma parceria para produzir etanol
Faturamento e resultados referentes a 2006. Dados de vendas referem-se ao período de 12 meses até setembro de 2007
FORD
Faturamento 160,1 bilhões de dólares
Vendas 6,4 milhões de veículos
Resultados 12,6 bilhões de dólares de prejuízo
Apostas A empresa criou a tecnologia EcoBoost, que permite economia de combustível de até 30% e redução de 15% nas emissões de CO2
Faturamento e resultados referentes a 2006.Dados de vendas referem-se ao período de 12 meses até setembro de 2007
RENAULT-NISSAN
Faturamento 141,8 bilhões de dólares
Vendas 6,1 milhões de veículos
Resultados 7,6bilhões de dólares de lucro
Apostas Em 2007, a Nissan lançou o híbrido Altima.ARenault está desenvolvendo carros com baixa emissão de gás carbônico
Faturamento e resultados em 2006 (Renault) e no ano fiscal até 31 de março de 2007 (Nissan).Vendas estimadas para 2007
TOYOTA
Faturamento 202,8 bilhões de dólares
Vendas 9,3 milhões de veículos
Resultados 13,9 bilhões de dólares de lucro
Aposta Em 1997, a Toyota lançou o Prius, primeiro carro com sistema híbrido. Mais de 1 milhão de unidades já foram vendidas em todo o mundo
Faturamento e resultados referem-se ao ano fiscal terminado em 31 de março de 2007.Vendas referentes a 2007
VOLKSWAGEN
Faturamento 138,2 bilhões de dólares
Vendas 6,2 milhões de veículos
Resultados 3,6 bilhões de dólares de lucro
Apostas A empresa tem planos de desenvolver um tipo de carro com tamanho menor e de lançar modelos híbridos para as marcas Polo e Golf
Faturamento e resultados referentes a 2006. Dados de vendas referem-se a 2007
HONDA
Faturamento 93,9 bilhões de dólares
Vendas 3,9 milhões de veículos
Resultados 5bilhões de dólares de lucro
Aposta A empresa criou um carro movido a célula de combustível, o FCX Clarity. Ele será comercializado neste ano na Califórnia, num sistema de leasing
Faturamento e resultados referem-se ao ano fiscal terminado em 31 de março de 2007. Vendas estimadas para 2007
Fontes: empresas e Organização Internacional dos Construtores de Automóveis

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