quinta-feira, 24 de julho de 2008

Me engana que eu gosto


Fábricas anunciam valor bem baixinho de manutenção. Mas elas sabem que é mentira e a conta será bem maior
A Ford está anunciando custo de manutenção de apenas 49 centavos por dia para o novo Ka. Teoricamente, os números estão corretos. Se você dividir o preço teórico da revisão pelos dias que o carro roda até ser levado ao concessionário, as contas estão certas.Na prática, como sempre, a teoria é outra e o dono do carro vai pagar muito mais do que o divulgado. Mas um valor baixinho é ótima "isca" para atrair clientes e a fábrica lasca o anúncio assim mesmo.A Ford só poderia divulgar o preço do produto que vende: o carro, seus equipamentos, acessórios, versões etc. Mas não o que será cobrado por suas concessionárias quando o carro é levado para a revisão.Pois nesse momento tem início um verdadeiro teatro, para o qual foram cuidadosamente treinados todos os recepcionistas (me desculpem, recepcionista é mulher bonita na porta de festa, eles agora são chamados de "consultores técnicos") da oficina.O treinamento consiste em elaborar uma lista de serviços desnecessários a serem empurrados goela abaixo do cliente no momento da revisão.Exemplos? Limpeza de bico injetor, descarbonização, reaperto da suspensão, balanceamento das rodas, lubrificação de vidros e portas, limpeza da direção hidráulica e outros itens imaginados pela insuperável criatividade brasileira, para enfiar a mão sem dó nem piedade no bolso do consumidor. A maioria não precisa quase nunca de ser realizada. Alguns são executados prematuramente.A Ford não pode alegar que ignora a prática desonesta, pois até enfatizou no manual do proprietário de alguns de seus modelos a inutilidade da famosa "limpeza de bicos injetores", informando com todas as letras que eles são "auto-limpantes". (Foi, aliás, a única montadora com coragem de pôr essa informação em letra de forma).É fácil enganar o cliente, pois ele nada entende de automóvel. Mas, se ele protesta e diz que os itens sugeridos não estão relacionados no manual, a farsa continua e a resposta do "consultor técnico" está na ponta da língua: "Mas, madame, o problema é que a nossa gasolina é adulterada", ou "doutor, o carro não foi projetado para ruas tão esburacadas" e acaba faturando cinco ou 10 vezes mais do que o previsto.Pior e quase inacreditável: o "consultor técnico", em geral, é comissionado pelo valor do faturamento que consegue arrancar do "propriotário". Ou seja, é regiamente remunerado pela "empurroterapia".Além disso, tem ainda outro argumento para que a revisão seja autorizada por qualquer valor, correto ou não: sem ela, o carro perde a garantia.Mas a encenação do ato final é só quando o cliente bate pé e nega autorizar os serviços desnecessários. Aí o "consultor" enche o peito, lustra a cara de pau e adverte:"Está bem doutor. Não vamos limpar os bicos nem descarbonizar o motor. Mas vou anotar aqui para o senhor o telefone do reboque porque, se o motor pifar no meio da viagem com toda a família a bordo..."

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