quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Na velocidade da imperfeição - Redução no ciclo de vida dos veículos é uma das causas do número recorde de recalls

Confira a entrevista com Marcos Morita, professor das disciplinas de planejamento estratégico e gestão de serviços da Universidade Presbiteriana Mackenzie e também a uma reportagem do Vrum sobre o tema

Wilson Camargo/Divulgação
Somente até outubro deste ano, o número de recalls no Brasil já é maior do que o ano todo de 2008 e quase quatro vezes mais do que o volume registrado em 2007. Nesse período, foram convocados quase 1 milhão de veículos para a verificação (com a troca ou não de componentes) de defeitos que comprometem a segurança. Na opinião do administrador de empresas e professor das disciplinas de planejamento estratégico e gestão de serviços da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Marcos Morita, os ciclos de vida dos produtos estão cada vez mais curtos, reduzindo o tempo de maturação e testes, desde o protótipo até o produto final, podendo levar a empresa a não perceber eventuais falhas de projeto. Morita, que é executivo há 15 anos em multinacionais, também fala sobre recall branco, aquele que não envolve questão de segurança, e sobre a conscientização cada vez do motorista brasileiro sobre essas convocações.


De 1° de janeiro a 18 de novembro deste ano já foram realizados mais de 40 recalls (envolvendo 65 modelos e versões diferentes), superando o nível de 2008. O motivo de tantos chamados seria o aumento da produção e do número de modelos, sem a contrapartida do controle de qualidade?

Com o aumento nas vendas, os fabricantes produzem no limite de sua capacidade fabril. Um atraso na produção, apesar da amplitude da cadeia produtiva, tem impacto direto nas concessionárias – vendas e o leque de produtos. Com o aumento da oferta de modelos e as promoções matadoras dos concorrentes, o consumidor pode decidir por adquirir de outra marca. Compras com alto valor agregado, como veículos, são antecedidas de pesquisa prévia por parte dos compradores, em geral com mais de um fabricante. A utilização de fornecedores e subfornecedores de partes, peças e conjuntos montados são cada vez maiores, dificultando a avaliação da qualidade dos insumos. O modelo criado por Henry Ford, integrado verticalmente, permite um maior controle dos processos anteriores e posteriores de produção. Já a nova realidade, com milhares de terceirizados e quarteirizados, aumenta a velocidade e diminui os custos, porém, reduz a possibilidade de controle.

No Brasil, apenas 50% dos proprietários de veículos atendem as convocações, enquanto na Europa e EUA esse número chega a 90%. Você acha que falta uma maior divulgação, já que o artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor é vago em relação à forma como esse procedimento deve ser divulgado? Por exemplo, em agosto, a BMW fez um recall e não divulgou a campanha em veículos de comunicação de Minas, embora aqui seja um mercado bem significativo para a marca.
Pouco se fala aos consumidores finais sobre os direitos que eles têm no caso do recall. Uma saída talvez fosse ao final de cada comercial na TV ou em jornais, houvesse uma menção sobre o que é recall, quais os direitos do consumidor, ou algum site no qual eles pudessem obter informações, como hoje é feito para a indústria de medicamentos ou de cigarros, alertando sobre os possíveis malefícios. Quanto à comparação com outros países, vale levar em consideração que são mercados maduros, cujo processo de recall é bem mais antigo, catalogado desde 1966. No caso da BMW, a empresa poderia ser acionada judicialmente, uma vez que não cumpriu os itens do Código de Defesa do Consumidor (artigo 10).

Esse número baixo de atendimento às convocações poderia melhorar se o recall fosse obrigatório também por parte do dono do veículo, que não poderia licenciá-lo sem o comparecimento à revenda? Já existe um projeto de lei neste sentido, que está parado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, não?

Sim, por meio da Lei 1527/07, de autoria do deputado Otavio Leite (PSDB/RJ). Seria com certeza um “gol de placa”, uma vez que colocaria muita “luz” da mídia sobre o assunto. Haja vista a questão das leis antifumo. Esse ponto me fez levantar uma questão, se existem leis similares em outros países. Poderíamos pesquisar... Na outra ponta, está no lado do comprador. Não há deságio "ainda" de veículos que sofreram recall e tampouco a preocupação do potencial comprador de que o recall tenha sido feito.



O recall é um bom negócio para a imagem do fabricante? Seria melhor para a empresa convocar o recall antes que o mercado descubra e o fabricante seja “obrigado” a fazê-lo?

Alguns estudos realizados no mercado americano e inglês demonstram que o recall afeta a credibilidade da marca, principalmente quando é reativo, ou seja, comunicado aos consumidores depois do fato descoberto; e quando são considerados graves, provocando danos sérios aos consumidores. O caso do Ford Explorer, utilitário-esportivo desenvolvido às pressas sobre uma plataforma não adequada, gerou um grande impacto à Ford. A história teve todos os ingredientes para se tornar um desastre para a marca. E foi. Uma postura reativa foi adotada, uma vez que os engenheiros sabiam das limitações do projeto. No Brasil, houve também caso semelhante com o Fox. Engenheiros e advogados da montadora, cientes do problema, escondiam-se atrás do manual do proprietário e da imperícia dos consumidores. Reativo e grave, com diversos (dedos de) consumidores “decepados”.

Os consumidores reclamam que, na maioria das vezes, não conseguem agendar horário mais adequado, que não há peças suficientes e que não são bem atendidos, já que se trata de um procedimento “gratuito”. Por que os fabricantes não se preparam adequadamente, já que conhecem o número de unidades envolvidas e de vendas por região e sabem que, nesses casos, o recall pode ser um “gol contra”?

Há diversas questões envolvidas a meu ver. A questão custo talvez seja a mais relevante. Reparar, em alguns casos, centenas de milhares de veículos, envolve, além do custo da peça, os custos relativos a serviços, prestados pelas concessionárias, fora a logística para que tudo dê certo. Quanto ao estoque e ao atendimento, creio que seja muito difícil mudar essa situação. Um recall é como uma epidemia para uma indústria farmacêutica, ou seja, a probabilidade da falta de peças é algo real, já que não se consegue produzir tantas peças em pouco tempo. Quanto ao atendimento, seria como diversas pessoas irem fazer trocas em uma loja. Imagine o humor do vendedor... O consumidor precisa saber também que o recall pode ser feito a qualquer momento pelo fabricante, independentemente do prazo fixado para tal. Quanto aos custos, pode também solicitar que sejam reembolsados, pelo tribunal de pequenas causas. Acredito que, com a pressão dos clientes e maior transparência nos seus direitos, as montadoras serão obrigadas a corrigir os pontos mencionados.

Como você analisa o chamado “recall branco”, aquele que não envolve itens de segurança e no qual os fabricantes atendem apenas aqueles que reclamam? Ou fazem sem que o proprietário do carro perceba, quando o veículo dá entrada na concessionária para realizar outro serviço ou até a revisão programada, como já aconteceu no passado com o motor do Monza.

Acredito que o recall branco também deveria ser incluído no Código de Defesa do Consumidor. Imagine o caso recente da Volkswagen. Centenas de proprietários precisaram levar seus veículos às concessionárias, para um “simples” procedimento de troca de motor. Semanas sem o carro, muitos prejuízos e compromissos cancelados. Apesar da gravidade para o proprietário do veículo, foi considerado como “branco”, por não provocar riscos potenciais à vida do usuário. Qual o risco de o motor “travar” em plena madrugada na Marginal Pinheiros, em São Paulo, na Linha Amarela, no Rio, ou na Avenida do Contorno, em BH? É preciso considerar.

Os fabricantes colocam prazos para a realização do recall, mas, de acordo com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), coordenado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério Público Federal, “enquanto houver no mercado produtos que apresentem os problemas que levaram ao chamamento, o fornecedor será responsável por sua pronta reparação, sem qualquer ônus para os consumidores”. Como você analisa essa questão?

É função do DPDC e do SNDC legislarem em favor dos consumidores. As empresas, por sua vez, não podem ter “passivos” eternos a serem gerenciados. Dentro desse panorama, a lei apresentada pelo deputado Otavio Leite teria uma grande importância, reduzindo este prazo automaticamente para 12 meses no máximo.

Nenhum comentário: